Vinil: realmente tão bom como dizem?

Em agosto do ano passado, fiz uma pesquisa via formulários do Google para mapear quais eram as mídias e os formatos preferidos de ouvintes de música. Fui a três diferentes grupos no Facebook a fim de buscar participantes para a pesquisa: o Colecionadores de discos, o Collector’s Room – O grupo e o UERJ Letras/Livre, formado por alunos de graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, divulguei o formulário no meu feed pessoal, o que aumentaria as possibilidades de respostas, bem como a variedade de formatos escolhidos. Indiquei os formatos streaming, CD e vinil para que pudessem marcar o de sua preferência e explicar as razões da escolha. Contudo, deixei espaço para que os pesquisados pudessem citar outras formas de ouvir música, o que rendeu porcentagens baixíssimas de usuários. Foram 69 informantes, que ficaram divididos desta forma:

  • 28 preferem ouvir música por streaming (Spotify, Deezer, YouTube, entre outros), representando uma porcentagem de 40,6% do total;
  • 19 preferem ouvir música em CD, representando 27,5% do total;
  • 16 preferem ouvir música em vinil, quantidade que representa 23,2% do total de ouvintes pesquisados;
  • 2 usuários ouvem música a partir de downloads do formato mp3, representando 2,8% do total;
  • 1 ouvinte indicou a opção pelo formato minidisc, representando 1,4% do total;
  • 1 ouvinte indicou a opção smartphone, mas não deixou claro se ouve música a partir de downloads de arquivos em mp3 ou se usa algum serviço de streaming (1,4%);
  • 1 usuário indicou os formatos CD e streaming (“Eu escuto música em CD, e também gosto de fazer coleção do mesmo, mas também escuto muito streaming de música, a praticidade é o ponto forte desse formato”), representando 1,4% do total;
  • 1 usuário indicou o formato arquivos mp3 de 320 kbps extraídos dos CDs de sua coleção (“Praticidade em ter toda a coleção em um HD externo; Possibilidade de escutar em CD quando quiser; Possuir a mídia e a arte; Ajudar o artista.”), representando 1,4% do total de pesquisados;
  • por fim, 1 ouvinte indicou o formato mp3 como o preferido, mas não deixou claro se os arquivos são obtidos a partir de downloads ou se são extraídos de CDs físicos (1,4%).

Apesar de a totalidade da pesquisa ser bastante interessante, vamos nos deter apenas ao terceiro grupo de informantes, isto é, aqueles que têm o vinil como mídia favorita para ouvir música. As razões dadas para a escolha foram diversas, mas muito semelhantes entre si. Veja:

  • “Qualidade superior na reprodução da gravação”;
  • “Qualidade, nostalgia”;
  • “Gosto da sonoridade da prensagem da época”;
  • “A originalidade de como a música é reproduzida para ouvir”.

Há outras explicações, mas estas estão em uma espécie de pacote de razões pelas quais audiófilos e vinilófilos preferem o vinil como suporte. Em grupos de colecionadores de discos, não é raro vermos discussão a respeito dos melhores formatos, os que reproduzem fielmente a música tal como ela foi gravada em sua época. Também não é rara a quantidade de ouvintes que defendem como podem a ideia de que o vinil capta perfeitamente a sonoridade de um artista, tal como ela foi tocada em estúdio.

Não vejo razões que impeçam um ouvinte de preferir o vinil como formato favorito, a não ser, é claro, os preços abusivos que vêm sendo cobrados por LPs em grandes lojas de varejo e – pasmem – em sebos. Ainda assim, fica a critério do comprador adquirir novas prensagens em vinil de 180 gramas, mesmo que isso lhes custe uma nota. O grande incômodo resultante de discussões acaloradas entre colecionadores advém do fato de a suposta qualidade superior do vinil ser quase uma unanimidade entre seus fiéis súditos, mesmo que, para que chegassem a tal conclusão, abrissem mão de pesquisas técnicas feitas com aparelhagem específica capaz de avaliar se um formato tem, de fato, perdas relevantes ou não no momento das prensagens ou, no caso do LP, do corte (passagem dos dados gravados na fita máster para os sulcos do disco de vinil).

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À medida que procuro por opiniões de artistas e profissionais como produtores e engenheiros de som, vejo que essa discussão tem sua razão de ser restrita ao universo dos colecionadores. Veja bem, não quero de forma alguma desprezar os conhecimentos que os fãs de vinil adquiriram ao longo dos anos com pesquisas a respeito do tema, mas não podemos ignorar que há uma série de profissionais que lidam com isso quase 24 horas por dia, 7 dias por semana. Portanto, suas visões sobre o assunto estão calcadas em experiências comprovadas de gravação de álbuns, independentemente das mídias em que foram gravados. Leia, a seguir, um trecho de 30 anos de música, biografia de Rick Bonadio, um dos maiores produtores brasileiros em termos de marketing e caça-talentos:

“(…) o que chamamos de corte é a fabricação do acetato, que será a matriz por onde serão produzidas (prensadas)todas as cópias daquele disco. O responsável corta os sulcos, por onde a agulha passará, para montar a matriz.

Mesmo com todo cuidado do mundo, foi minha primeira decepção, pois você mandava um som e voltava outro. Bem diferente do que você tinha ouvido em estúdio. O vinil nunca representou para mim o som de verdade do estúdio. Por isso nunca dei tanto valor para essa discussão de audiófilos de formato versus formato.”

Essa visão técnica e entristecida é endossada pelo apresentador, produtor e ex-baterista dos Titãs Charles Gavin, em entrevista concedida ao canal do YouTube Vitrola Verde, de seu irmão César Gavin. Em um trecho, Charles comenta a respeito de suas produções e diz o seguinte a respeito da gravação do primeiro disco da banda Detrito Federal:

“(…) em estúdio, a princípio, ele (o disco) ainda tinha um som bom, mas faltava uma etapa, que era o corte do disco. O desleixo foi tanto que a masterização, o som disso aqui, não ficou bom. O som é ruim, frustrou a banda e me frustrou também. (…) Quando o pessoal do Detrito Federal pegou o vinil e foi ouvir, não era aquilo que eles estavam ouvindo em estúdio.

Com essas duas visões, percebemos que a afirmação de que o vinil reproduz fielmente o que foi gravado é bastante questionável. Outro elemento que também põe em xeque a superioridade sonora do vinil é a baixa qualidade do material de que ele costumava ser feito no Brasil, principalmente nos anos 1970. Guilherme Arantes, do Moto Perpétuo, diz o seguinte em entrevista para o documentário Rock Brasil 70 – viagem progressiva:

“Os discos não eram bons porque os estúdios eram ruins e o vinil nacional era só asfalto (…); ele só estalava, não tinha som nenhum.”

No mesmo documentário, Motta, do Recordando o Vale das Maçãs, diz o seguinte, ainda questionando a suposta superioridade do vinil:

“O Recordando ( o Vale das Maçãs) era bom ao vivo. Eu nunca achei que aquele LP representasse tão fielmente o som que a gente fazia.”

Meu grande questionamento é este: será que álbuns gravados em CD e Ogg Vorbis (formato utilizado no Spotify, por exemplo) têm realmente tantas perdas se comparados à sua gravação em vinil? E se elas realmente existirem, afetam tanto a qualidade do áudio ao ponto de que se “percam” elementos relevantes para a produção do disco? Stephen Witt, em seu livro Como a música ficou grátis, traz um debate interessante a respeito dessas “perdas” sonoras.

A ideia fundamental para o desenvolvimento do mp3 nos anos 1980 era o fato cientificamente comprovado de que o ouvido humano não é capaz de ouvir tudo perfeitamente, isto é, há certas frequências que não podem ser alcançadas por nós. Assim, tais frequências passam despercebidas. Se o ouvido humano não consegue captar todos os sons, por que manter músicas com frequências que passam batido por qualquer um, ocupando espaço e tornando arquivos ainda mais pesados? A ideia do mp3 era a compressão de arquivos e a sua transmissão de modo rápido e prático, como menos bytes do que continham os arquivos gravados em CD. Em suma, o grande questionamento feito por hackers e cientistas era este: se o ouvido humano dispensa determinada quantidade de frequência, por que não tirá-las das músicas, tornando assim os arquivos mais leves e fáceis de serem transmitidos? Ao fim e ao cabo, estaríamos ouvindo músicas em mp3 com a mesma qualidade do CD, conclusão a que chegaram os cientistas do Fraunhofer, que eram audiófilos e dispunham de equipamentos de áudio ultraprecisos.

Tá, mas e o vinil? A meu ver, a louvação exacerbada sobre os LPs dizem mais respeito à memória afetiva que eles evocam, bem como em razão do tamanho ampliado das artes das capas. De fato, é maravilhoso, enquanto se escuta um disco, ler de modo nítido informações a respeito dos músicos, do processo de gravação, datas, etc. Não sou um inimigo do vinil, pelo contrário. Gosto bastante de ouvir os poucos que tenho, é de fato uma atividade prazerosa manipulá-lo para trocar os lados. Este, aliás, é outro argumento que considero bem válido para justificar a preferência pelos bolachões; muitos comentam a respeito da forma como “interagem com a música” ao ouvir um disco, mexendo não só com a audição, mas também com tato e olfato (só eu me atento ao cheiro dos discos e das capas?). Por fim, penso que, à luz das opiniões de especialistas no tema, dizer que “o som do vinil é melhor” não passa de juízo de valor, visto que tal premissa pode ter como base uma série de questões que estão para além do som que emerge a partir da leitura dos sulcos. Não é um assunto que se pretende esgotado; é apenas um outro ponto de vista sujeito a (constantes) revisões e debates.

Vou deixar aqui os vídeos nos quais me baseei para formular este texto, bem como a referência dos livros que citei:

WITT, Stephen. Como a música ficou grátis. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.

BONADIO, Rick. 30 anos de música. São Paulo: Seoman, 2016.

 

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