Uma boa forma de ficar a par de certos movimentos artísticos, culturais e musicais é assistir a documentários que abordem variados temas. A música brasileira é rica em termos de gêneros, artistas e movimentos, mas infelizmente há muitas informações de determinados períodos que se perdem ou que são pouco abordadas pelas grandes mídias. Por isso, no intuito de fazer conhecidos alguns momentos importantes do desenvolvimento da música brasileira, vou indicar três documentários muito interessantes a respeito do tema.
1. Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil (2010)
Este documentário mostra os bastidores culturais e melhores momentos do III Festival de Música da TV Record, que serviu como uma espécie de pano de fundo das transformações artístico-culturais ocorridas no Brasil no fim dos anos 1960. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Os Mutantes são alguns dos principais personagens dessa obra, participantes de um festival que avaliaria composição, letra, harmonia e outros aspectos de cada uma das canções.
Com a Invasão Britânica, desenvolveu-se no Brasil um movimento de contracultura, a Tropicália, inspirado no “Verão do Amor” e no Woodstock. Influenciados pelos Beatles, os argentinos do Beach Boys acompanharam Caetano Veloso na canção “Alegria, Alegria”, o que causou represálias de nomes e adeptos da MPB e da bossa nova, já decadentes no período; isso se deu em razão de ser impensável um artista da música popular ser acompanhado por uma banda de rock, cujo instrumento mais icônico, a guitarra elétrica, representava o imperialismo e “todo o lixo de rock” americanos, para os mais ortodoxos da MPB. A passeata contra a guitarra elétrica, inclusive, ocorreu nesse mesmo período, contando com nomes como o de Jair Rodrigues e de Nara Leão. Este episódio é mostrado no documentário e comentado por artistas e pessoas envolvidas que estiveram presentes na passeata.
Imagem da passeata contra a guitarra elétrica (1967). À direita, é possível ver Elis Regina, Jair Rodrigues, Gilberto Gil e Edu Lobo, grandes nomes da MPB na época.
Uma noite em 67 ilustra o desenvolvimento do rock no Brasil e a contemporânea queda da MPB enquanto estilo, visto que alguns artistas estavam mais abertos às influências estrangeiras tanto no que dizia respeito ao estilo musical quanto em termos de ideologia e contestação ao status quo. O desenvolvimento musical da década seguinte é minuciosamente descrito no documentário recomendado a seguir.
2. Rock Brasil 70 – Viagem progressiva, de Ana Paula Minari, Bruno Rizzato Rodrigues, Guilherme Machioni, João Figueiredo, Tábata Porti e Thiago Mourato (2013)
O rock progressivo brasileiro é um dos estilos menos comentados nas rodas de conversa a respeito de música nacional. Os que o conhecem são poucos; além disso, boa parte das discografias já saíram de catálogo, o que torna mais difícil ainda o contato com artistas do gênero.
Com o objetivo de trazer à luz o que foi o progressivo nacional, suas influências e sua relevância, Rock Brasil 70 mostra entrevistas feitas com os principais nomes do gênero ainda vivos, que expuseram as dificuldades pelas quais passaram na época de gravação de seus discos e na produção dos shows. Essas dificuldades decorriam de dois principais problemas: primeiro, a defasagem técnica no que diz respeito aos aspectos de gravação, produção e mixagem de discos; músicos como Guilherme Arantes comentam o atraso do Brasil na produção de LPs e na elaboração de instrumentos musicais de qualidade, ressaltando que o que era produzido no estrangeiro era muito melhor, contudo mais caro; segundo, vale lembrar que o rock progressivo brasileiro floresceu no decorrer da Ditadura Militar; logo, muitos artistas da época tiveram suas canções submetidas à censura, que as consideravam subversivas.
Influenciados por Genesis, Jethro Tull e Yes, bandas como O Terço, Bacamarte, Recordando o Vale das Maçãs e Violeta de Outono ainda permanecem numa espécie de obscurantismo do rock brasileiro, que tem os anos 1980 considerados por boa parte da crítica e pelos fãs como seu apogeu e melhor fase. Assim, Rock 70 cumpre bem o objetivo de revelar a nós, os fãs, esse gênero tão bem tocado e pouco abordado no país. E para complementar esta recomendação, sugiro também que acompanhem no Spotify a playlist Brazilian Prog do Som em Pauta. Lá vai ser possível ter contato com alguns dos principais nomes do rock progressivo brasileiro.
3. Palavra (en)cantada, de Helena Solberg (2008)
Calcado na interdisciplinaridade, Palavra (en)cantada aborda música e poesia, bem como a influência desta naquela. Há diversas entrevistas com grandes nomes da música popular brasileira, como Adriana Calcanhoto, Maria Bethânia, Lenine, entre outros, e cada um deles comenta a relação entre letra e música, desvendando segredos linguístico-poéticos imbrincados em suas canções e revelando suas preferências literárias, assim como suas influências nas composições.
No documentário, o limite temporal é inexistente, pois a narrativa vai de Chico Buarque a Ferréz, passando por Arnaldo Antunes e outros nomes expressivos. Nele, o aspecto poético, em alguns momentos, é até mais valorizado que a própria música, mas traz uma perspectiva muito bacana sobre o processo de composição de cada artista, bem como o impacto da poesia sobre cada um deles.
Para estudantes de Literatura ou simpatizantes do tema, Palavra (en)cantada é um documentário quase imprescindível, visto que revela e aborda o “par perfeito” da poesia desde o período homérico: a música.