Os 45 anos de “Tudo foi feito pelo sol”, dos Mutantes

O ano era 1973. O rock progressivo importado da Europa vinha caminhando paulatinamente no Brasil, até que chegou aos Mutantes. Depois de quatro discos do mais puro rock and roll e de conflitos internos na banda, Rita Lee a deixou e deu início à sua carreira solo, muito prolífica por sinal; não à toa ela é conhecida como “rainha do rock“. Pois bem. Era hora de gravar mais um disco, e os Mutantes pegaram pesado; o rebento era O A e o Z, que, supostamente pelo veto da Polysom, a gravadora do grupo à época, ficou engavetado e só foi em lançado em 1992.

Boatos correm de que O A e o Z foi gravado em meio a sessões de consumo maciço de ácido lisérgico (o LSD), o que, de certa forma, justificaria a sonoridade progressiva, complexa e atmosférica que marca o disco em sua íntegra. Outros boatos pegaram carona neste primeiro; de acordo com um deles, a Polysom teria vetado o lançamento do álbum justamente por esse contexto ilícito de consumo de drogas, até porque, se lembrarmos, o país estava mergulhado em uma ditadura instaurada em 1964, o que implicou a afirmação de uma caretice quase obrigatória; segundo outro boato, a saída de outro mutante, Arnaldo Baptista, teria ocorrido em razão de ele ter se envolvido tanto com as drogas que acabou chegando a um estado crítico de vício, o que o teria impedido de compor com qualidade e mesmo de raciocinar normalmente; outro fator que explicaria a saída de Baptista seria o término de seu casamento. Até então, eram dois integrantes a menos. Então, depois disso, por razões que não creio que valem a pena ser discutidas, saíram Dinho Leme e Liminha. Restou Sérgio Dias, o único “sobrevivente” da formação clássica dos Mutantes, que não estava disposto a abandonar a “banda”.

Chegaram reforços para compor o grupo: Rui Motta na bateria e percussão; Túlio Mourão assumiu piano, hammond, órgãos e mini-moog; e Antônio Pedro no baixo. Todos eles também complementavam os vocais da banda, cuja principal voz era Sérgio Dias. E veio 1974.

Os anos 70 foram o auge do rock progressivo não só no Brasil, mas no mundo. Inspirados nos grupos britânicos, diversas bandas surgiram no país, como Casa das Máquinas, O Terço, Terreno Baldio, Bacamarte e uma série de outras bandas que imprimiram uma complexidade musical inovadora em seus discos. Com os Mutantes não foi diferente. Em 1974, a banda gravou (em um só take)e lançou Tudo foi feito pelo sol, uma espécie de cisão entre o novo Mutantes e o velho. Os caminhos tomados pela banda em quase nada se assemelhavam pelo rock sessentista que a acompanhou até Mutantes e seus cometas no país do Baurets, de 1972. Neste álbum, pode-se notar com clareza a influência de um som rasgado e pungente feito pelos Rolling Stones e pelo Cream, com uma exaltação bem marcante do estilo que tocavam:

“Posso perder a minha mulher

Minha mãe

Desde que eu tenha o rock and roll

Em Tudo foi feito pelo sol, a “simplicidade” dos compassos quatro por quatro que regem o rock and roll e o hard rock se verifica apenas em uma faixa, “O contrário de nada é nada”, que é a mais curta do disco.

mutantes

O disco abre com “Deixe entrar um pouco d’água no quintal”, e com esta faixa já mostra a que veio. As marcações aceleradas de bateria abrem caminho para linhas de guitarra e baixo igualmente aceleradas, sucedidas por camadas ritmadas e marcantes de órgão, que se expandem em seguida para acordes bem nítidos. O trecho que precede a primeira estrofe da música apresenta claras influências de Emerson, Lake & Palmer e Triumvirat, bandas cujos instrumentos principais são órgãos, pianos e mellotrons, além dos sintetizadores moog, muito usados ao longo de Tudo foi feito pelo sol. Essa influência também pode ser notada em razão das marcações de bateria, muito precisas e quebradas em alguns momentos, à semelhança do que faz Carl Palmer, principalmente nos discos Tarkus, de 1971, e Pictures at an exhibition, do mesmo ano.

É possível verificar o uso do moog em faixas como “Pitágoras”, a instrumental e segunda faixa do disco, “Desanuviar” e “Eu só penso em te ajudar”, no trecho em que são ouvidas as experimentações sonoras e instrumentais posteriores às estrofes e aos refrões, que apresentam um approach mais rock and roll. Esta última, inclusive, é marcada por mudanças de ritmo e andamento em seu decorrer, algo que o Focus já havia feito em “Hocus pocus”, ao inserir camadas eruditas sobrepostas às linhas de hard rock que se ouvem na introdução da música. “Pitágoras” em nada deve aos grandes nomes e músicas do rock progressivo mundial. Com peças de piano influenciadas por composições eruditas e solos de violão clássico, a música é um arcabouço de experimentações sem fim, com dinâmica bem acentuada e presente, característica fundamental de bons discos de progressivo. Em “Desanuviar”, é possível ouvir, quase no fim da canção, linhas de sitar, instrumento de origem indiana com som bem característico, e inclusive tocado por Ravi Shankar. O emprego desse instrumento por Sérgio Dias, inusitado para o padrão musical do Brasil, ilustra a experimentação dos Mutantes neste disco, que viria a ser explorada “posteriormente” em O A e o Z, por intermédio de um instrumento de som peculiar chamado hang.

sitarSérgio Dias e o sitar

Ainda em “Desanuviar” (e em todo o disco), outro elemento que merece destaque são os vocais criteriosamente divididos em vozes distintas. É realmente bem interessante quando todos os integrantes da banda cantam, o que dá ainda mais o aspecto de unidade ao disco, que se mostra altamente técnico não somente no instrumental, mas também nas linhas de voz.

Merecem destaque aqui os solos de órgão e piano na faixa “Cidadão da terra”, que, além das já citadas influências do Emerson, Lake & Palmer, deixam evidentes outras bases de construção melódica que serviram de inspiração, como os solos de Jon Lord no Deep Purple. Outro fator de destaque nesta mesma faixa são as linhas criativas e marcantes de baixo, tanto na introdução da música quanto nos solos de órgão. Ao ouvi-las, é possível notar as influências dos timbres rascantes de baixistas como Chris Squire, do Yes, e o próprio Greg Lake, que já se fazia notar antes mesmo de assumir o baixo e os vocais do ELP, quando era vocalista e baixista do King Crimson; impossível não ficar vidrado nas convenções jazzísticas que podem ser ouvidas na parte instrumental de “21st century schizoid man”, faixa que abre In the court of the crimson king, de 1969.

Não é preciso nem dizer que Sérgio Dias teve uma participação fenomenal em Tudo foi feito pelo sol. Os solos de guitarra, bem como a elaboração dos riffs, contaram com uma criatividade ímpar, fugindo bastante da linguagem mais simples do rock e do blues que caracterizou os discos anteriores; não quero dizer aqui, de forma alguma, que isso significa uma qualidade menor destes em relação ao álbum em análise. Em “Deixe entrar um pouco d’água no quintal”, é possível ouvir licks de guitarra bem rápidos, precisos e nítidos, indicando que nem só de ambiência se constrói o progressivo. As já mencionadas peças de violão clássico em “Pitágoras” espelham bem o trabalho iniciado por Steve Howe, do Yes, que mesclava magistralmente elementos do rock com passagens eruditas e harmônicos, a exemplo do que se escuta em músicas como “Roundabout”.

Alguns elementos de mixagem também indicam experimentalismo em Tudo foi feito pelo sol. O principal deles já havia sido utilizado por Jimi Hendrix, em Axis: bold as love, e pelo Led Zeppelin, em Led Zeppelin II, que eram as possibilidades estereofônicas de gravação e escuta, por meio das quais, em alguns trechos, se escuta o que está sendo tocado em apenas um dos lados do fone, enquanto o outro fica em silêncio por alguns instantes, até que o som passe para este e o outro fique em silêncio, como uma espécie de sonoridade pendular.

Em suma, Tudo foi feito pelo sol não deve ser encarado apenas como um marco na carreira dos Mutantes; o rock brasileiro foi abalado por este petardo, que, a meu ver, representou o máximo do experimentalismo que o progressivo imprimia à música. Infelizmente, este é um álbum muito pouco lembrado pela maioria dos ouvintes em se tratando do tema “rock nacional”. Espero que minhas impressões, mais do que trazer gente que concorde com elas ou discorde delas, façam com que este disco seja ouvido e apreciado como ele deve ser. Boas audições! O disco pode ser ouvido na íntegra por meio do vídeo abaixo:

 

 

 

 

Rock e literatura: discos inspirados em livros

A relação entre música e literatura não é nenhuma novidade; os estudos literários abordam incessantemente essa associação, que vem desde os tempos homéricos, passando pelos trovadores dos séculos XIII e XIV e chegando até nós hoje, com artistas que elevam suas composições a um patamar de poesia quase inquestionável para alguns.

Nesta postagem, vou elencar três discos que foram livremente inspirados em clássicos da literatura universal; vale destacar que nem todos são conceituais, apesar de seus títulos ou de suas canções indicarem isso de alguma forma. Essa lista, como qualquer outra que trata de música, de modo algum se pretende encerrada; trouxe apenas três álbuns como exemplo, mas há uma série deles.

1. Excalibur, Grave Digger (1999)

Excalibur é um disco conceitual livremente inspirado nas novelas de cavalaria do Ciclo Arturiano, que conta as histórias do Rei Artur e de seus fiéis escudeiros na luta em busca e na proteção do Santo Graal, bem com da fé cristã. As histórias datam dos séculos XIII e XIV, posteriores às conhecidas cantigas de amor e de amigo portuguesas e provençais, e já foram adaptadas de diversas formas, a exemplo da obra As brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley, que reconta as lendas de Artur na visão feminina, assim como dos filmes Rei Arthur, de 2004, estrelado por Clive Owen, e Rei Arthur: a lenda da espada, de 2017. Os alemães do Grave Digger contam histórias de diversos personagens dessas lendas, como Lancelot, o mago Merlin e Guinevère, exaltando o companheirismo e a lealdade dos cavaleiros em canções como “The round table (forever)”. Vale destacar, contudo, que, apesar de Excalibur ser conceitual, as faixas são independentes entre si, isto é, não integram uma ópera-rock.

excalibur

O som da banda neste disco traz uma pegada power speed metal, com passagens instrumentais que ressaltam ainda mais o caráter épico da obra. As lendas do Rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda já haviam sido abordadas também por Rick Wakeman, em seu disco The myths and legends of King Arthur and the knights of the Round Table, de 1975.

2. Leviathan, Mastodon (2004)

Para a crítica e para os fãs, o Mastodon é um dos nomes mais criativos do rock surgido nos anos 2000. Sua discografia já é extensa, e Emperor of sand foi considerado um dos melhores discos de 2018 por uma série de veículos especializados em música. Pois bem; vamos voltar a 2004, quando o grupo lançou Leviathan, disco conceitual inspirado em Moby Dick, de Herman Melville, um clássico da literatura publicado em 1851.

Muro do Classic Rock

Moby Dick é uma obra que põe em questão a relação do ser humano com a natureza, não só a selvagem, mas o meio ambiente de maneira geral. A história gira em torno de uma cachalote branca que é fortemente caçada por pescadores, o que a leva a atacá-los e feri-los gravemente. Os personagens principais são o Capitão Ahab, Ismael, Stubb, Capitão Boomer, Starbuck, Elijah, Queequeg e, claro, a cachalote Moby Dick. A capa de Leviathan (nome pelo qual a cachalote também é conhecida na cultura popular, principalmente pela obra Leviatã, de Thomas Hobbes) representa a grande baleia branca emergindo dos mares colocando em perigo uma embarcação. As faixas abordam em detalhes diversos aspectos concernentes às caças marítimas, como os desafios dos barqueiros, as armas utilizadas para a caça, as condições do mar, entre outros.

Leviathan reúne aspectos do heavy metal tradicional, com riffs marcantes, a exemplo de “Blood and thunder”, música que abre o disco, e elementos progressivos, passagens instrumentais complexas, tempos quebrados de bateria e mudanças de andamento (“Aqua dementia”). Talvez seja uma boa indicação para começar a conhecer a discografia do Mastodon. À semelhança de Excalibur, Leviathan também não é uma ópera-rock. Só a nível de curiosidade, “Moby Dick” é, também, uma das faixas do disco Led Zeppelin II; é uma música instrumental em que se destacam a bateria de John Bonham e o riff espetacular de Jimmy Page.

3. Journey to the centre of the Earth, Rick Wakeman (1974)

Um ano depois de o Yes lançar a obra-prima Tales from topographic oceans (1973), Rick Wakeman, o “mago” e tecladista da banda, trouxe ao mundo seu segundo disco solo, Journey to the centre of the Earth. O petardo pôs em parafusos a gravadora A&M, que não queria arcar com os custos altíssimos da gravação, que envolvia banda de rock, narrador e orquestra completa.

Muro do Classic Rock

Uma solução foi encontrada para que se gravasse Journey…: o disco deveria ser gravado ao vivo, para que os custos fossem menores, e assim foi. O álbum é inspirado no livro Viagem ao centro da Terra, do francês Júlio Verne (1864), um dos maiores nomes do gênero ficção científica; são dele também obras como Vinte mil léguas submarinas e Volta ao mundo em 80 dias. Segundo a revista Roadie Crew, edição 220, “A fascinação do tecladista pela saga do professor Lindenbrok, de seu sobrinho Axel e do guia Hans, que encontram uma passagem através da boca de um vulcão que os leva ao centro da Terra e lá vivem diversas aventuras, era tamanha que ele chegou a vender alguns de seus carros para ajudar a financiar o negócio”.

Journey to the centre of the Earth foi gravado no Royal Albert Hall London, em 18 de janeiro de 1974. Foi, de fato, um projeto ambicioso de Rick Wakeman, pelo qual ele lutou e insistiu muito; ainda bem.

 

Bandas cariocas de rua

Esta é uma postagem para os cariocas e também para aqueles que não são cariocas, mas que pretendem, em algum momento, passar um tempo no Rio de Janeiro. Se você trabalha no Centro do Rio ou costuma frequentá-lo, já deve ter visto algumas bandas de rua que se apresentam em locais e horários estratégicos para chamar a atenção de um público mais amplo. Caso ainda não tenha visto, certamente já ouviu falar delas.

Vou dar três recomendações de bandas cariocas de rua que você precisa parar para ouvir e apreciar, se e quando elas por acaso “interromperem” o seu itinerário semanal.

1. Kosmo Coletivo Urbano

kosmo coletivo urbano

Esta é uma banda muito interessante e bem experimental que mistura rock, jazz-fusion e música oriental. A Kosmo apresenta sempre um repertório muito rico, com músicas 100% autorais e bastante inovadoras. O som instrumental do grupo é capitaneado por linhas melódicas de saxofone, mas é possível ouvir, em alguns momentos, solos de guitarra muito bem elaborados e uma “cozinha” bem presente.

O grupo costuma se apresentar no Centro do Rio; já foi possível vê-los tocando no Boulevard Olímpico, espaço revitalizado do Centro que recebeu milhares de turistas durante os Jogos Olímpicos Rio 2016. Além disso, o Kosmo Coletivo Urbano também se apresenta na Saens Peña, em frente a uma das entradas do MetrôRio, em uma calçada parelela à Rua Conde de Bonfim. É uma experiência imperdível e, caso curta o som, você pode levar uma cópia do álbum deles para casa; não costuma custar muito caro e ainda dá pra ajudar a banda.

2. Mr. Severin

O trio carioca Mr. Severin toca o que há de melhor no rock and roll setentista e no blues. Com influências de Jimi Hendrix, Deep Purple e outros artistas contemporâneos destes, o Severin imprime uma sonoridade bem old-school, feroz e técnica às suas músicas, que incluem autorais e covers de Rolling Stones, Eric Clapton e Beatles.

mr severin

Como todo bom power trio, o Mr. Severin é composto por músicos excelentes, que dominam a arte do bom rock and roll; inclusive, todos os três têm seus momentos de destaque. Guitarra, batera e baixo a serviço da música de qualidade e de um super atrativo para os transeuntes que passam pela Rua Nelson Mandela, em Botafogo, também próxima à saída da estação do metrô. Segundo comentários vistos no perfil do Facebook da banda, eles também se apresentam na Rua da Carioca, no Centro do Rio. Garanto sua total satisfação quando parar para assisti-los qualquer dia, despretensiosamente.

3. Astro Venga

Outro power trio bastante conhecido no Rio de Janeiro, o Astro Venga dispensa comentários em relação à sua técnica nos “palcos”. A banda, inclusive, foi convidada para tocar no Rock in Rio de 2017, distribuindo a uma série de fãs doses nada homeopáticas de um rock and roll instrumental, pungente, feroz e nada previsível.

astro vengaAstro Venga “on stage” no Centro do Rio

Enfrentando diversas “chamadas” da Guarda Municipal, o Astro Venga sempre se mostrou resistente às intempéries das ruas, agrupando sempre uma série de trabalhadores em seus horários de almoço ou mesmo pessoas que passavam por ali sem uma razão aparente. O grupo costuma se apresentar na Cinelândia e na Carioca, bem com na Zona Sul do Rio, principalmente na região do Arpoador.

Ano passado, o Astro Venga lançou Transeunte, seu primeiro disco instrumental de estúdio. Nome bem propício, não é mesmo? É possível ouvir o álbum via streaming, nas principais plataformas.

As três bandas têm vídeos e clipes disponíveis no YouTube e em suas páginas nas redes sociais. Se eu fosse você, ia correndo dar uma conferida no som dos caras.

Resenha – “Unholy sacrifice”, de Jackdevil

“When Heaven closes its gates, the devil awaits!”

Assim começa um dos mais interessantes discos de thrash metal produzido em “terra brasilis” nos últimos cinco ou dez anos. Os maranhenses do Jackdevil lançaram Unholy sacrifice em 2014 e desde então lançaram mais dois discos: Evil strikes again (2015) e Back to the garage (2016). Vamos nos ater ao primeiro mencionado.

Unholy sacrifice reúne o que há de melhor no thrash metal e no heavy metal. Todas as faixas, à exceção de “The coven”, que é um solo de baixo acompanhado de teclados, trazem riffs e solos poderosíssimos de guitarra, além de bateria pungente e linhas de baixo muito marcantes. Aliás, este é um aspecto que destaco como positivo do disco: todos os instrumentos podem ser ouvidos com total clareza; guitarras base, solos, o baixo Rickenbacker roncando em cada faixa, os bumbos “metralhadoras” característicos do thrash, tudo com absoluta nitidez, muito diferente do que algumas bandas de metal vêm fazendo por aí, saturando as guitarras até quase estourarem os falantes de seus Marshall, sem manter o equilíbrio de todo o instrumental.

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Segundo informações da banda para o site Toque no BrasilUnholy sacrifice “é um álbum conceitual inspirado em contos de horror de Stephen King e outros mestres do gênero”. Isso pode ser verificado nas letras das canções, nas quais há diversas referências a personagens desse universo do terror. A própria capa do disco já aponta para essa associação, mostrando um tabuleiro semelhante ao de ouija, que aparece em filmes do gênero, a exemplo de Atividade paranormalOuija: origem do mal.

O som da banda, comandado por André Nadler (voz/guitarra), Renato Speedwolf (baixo), Ricardo “Mukura” Andrade (guitarra solo) e Fernando “Hellboy” Moreira (bateria), já se mostra muito maduro para um primeiro disco. Com influências nítidas de Metallica na fase áurea de Kill ‘em all Ride the lightning, principalmente na elaboração dos solos de guitarra, o Jackdevil imprime uma sonoridade poderosa, marcante, com vocais raivosos, que parecem ser inspirados por James Hetfield. As dobras de guitarras são perfeitas nas faixas “Beastrider” e “Behind the walls”, lembrando muito os solos de músicas do Iron Maiden, como os de “The trooper”. Inclusive, o estilo da banda é muito similar ao do Maiden, principalmente pelos timbres de baixo, que se aproximam bastante do som eternizado por Steve Harris. A sonoridade Maiden também pode ser verificada no solo da faixa “Thrash demons attack”, em que há linhas oitavadas de baixo, à moda Iron Maiden.

“Age of antichrist” se inicia com uma excelente virada na bateria, acompanhada por um ótimo riff de guitarra. Essa faixa, aliás, é uma das melhores do disco, com variações de ritmo e solos de guitarra que fogem ao padrão pentatônico e “fritado” comum ao thrash, dando lugar a uma abordagem melódica e harmônica. Uma outra faixa em que a bateria se destaca é “Killing razors”, com uma virada fenomenal em seu início, pouco antes da entrada dos vocais. Toda a música segue com um acompanhamento incomum da batera, com bumbos duplos que são tão poderosos quanto os riffs da música. “Age” of antichrist” termina com uma microfonia e um acorde de baixo, uma espécie de prenúncio da faixa que vem logo a seguir: “The coven”.

Conforme foi dito anteriormente, “The coven” é um solo de baixo. O solo em si é muito bom, bem produzido, criativo e mais melódico. Apesar da harmonia simples, a música prende o ouvinte por ser uma espécie de continuação da faixa anterior, uma característica muito comum em álbuns conceituais. O único aspecto negativo que pinço em “The coven” (e talvez seja o único em todo Unholy sacrifice) é a base feita pelo teclado para o solo. Não digo que seja ruim em termos de harmonia e composição, mas a execução incomodou este tecladista enferrujado que vos fala (risos); é como se, no momento de tocar, o músico que gravou os teclados não estivesse usando o pedal sustain, o que tira a cadência da passagem de um acorde para o outro. Além disso, o uso de strings (som de cordas, usado para fazer a “cama” nesta faixa) requer muita atenção, pois, a depender do timbre, o som aparece apenas depois de alguns milésimos de segundos do toque nas teclas. Isso acaba quebrando o tempo da música de certa forma, visto que o som aparece depois da marcação do tempo, mesmo que o tecladista tenha tocado seguindo fielmente o metrônomo.

Em suma, Unholy sacrifice obedece certinho à cartilha de um bom álbum de thrash metal: bateria acelerada, vocais imponentes, solos de guitarra muito rápidos e aquele maravilhoso convite ao headbanging. Além disso, algumas faixas têm aqueles contracantos feitos pelos back-vocals que fazem o público participar efetivamente dos shows, com frases curtas e marcantes, bem semelhante ao que o Anthrax faz em “Caught in a mosh” (“Can’t stand it for another day/ I AIN’T GONNA LIVE MY LIFE THIS WAY”). Isso se verifica na faixa “Behind the walls”, no seguinte trecho:

“Insanity

DIE!

Iniquity

THIS!

Brutality

DOWN!

Never leaves behind the walls”

O disco é uma porrada atrás da outra, e não dá nem tempo de parar e pegar um cafezinho (ou uma cerveja, que talvez caia até melhor). Em minhas audições do álbum, percebi que o Jackdevil é um dos bons nomes de peso atuais do thrash nacional, seguindo o caminho aberto pelo Taurus e pelo Korzus, dois gigantes do gênero aqui no Brasil. O disco foi lançado pela Urubuz Records, uma ótima gravadora do underground nacional, com um catálogo bem extenso de bandas da cena rock e metal. Fica aqui uma recomendação para sair da mesmice e para jogar por terra aquele velhos clichês bobos: “o rock morreu”; “não há bandas boas hoje”; “o que presta surgiu nos anos 80”.

 

Dicas de documentários

Uma boa forma de ficar a par de certos movimentos artísticos, culturais e musicais é assistir a documentários que abordem variados temas. A música brasileira é rica em termos de gêneros, artistas e movimentos, mas infelizmente há muitas informações de determinados períodos que se perdem ou que são pouco abordadas pelas grandes mídias. Por isso, no intuito de fazer conhecidos alguns momentos importantes do desenvolvimento da música brasileira, vou indicar três documentários muito interessantes a respeito do tema.

1. Uma noite em 67, de Renato Terra e Ricardo Calil (2010)

Este documentário mostra os bastidores culturais e melhores momentos do III Festival de Música da TV Record, que serviu como uma espécie de pano de fundo das transformações artístico-culturais ocorridas no Brasil no fim dos anos 1960. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo e Os Mutantes são alguns dos principais personagens dessa obra, participantes de um festival que avaliaria composição, letra, harmonia e outros aspectos de cada uma das canções.

uma noite em 67

Com a Invasão Britânica, desenvolveu-se no Brasil um movimento de contracultura, a Tropicália, inspirado no “Verão do Amor” e no Woodstock. Influenciados pelos Beatles, os argentinos do Beach Boys acompanharam Caetano Veloso na canção “Alegria, Alegria”, o que causou represálias de nomes e adeptos da MPB e da bossa nova, já decadentes no período; isso se deu em razão de ser impensável um artista da música popular ser acompanhado por uma banda de rock, cujo instrumento mais icônico, a guitarra elétrica, representava o imperialismo e “todo o lixo de rock” americanos, para os mais ortodoxos da MPB. A passeata contra a guitarra elétrica, inclusive, ocorreu nesse mesmo período, contando com nomes como o de Jair Rodrigues e de Nara Leão. Este episódio é mostrado no documentário e comentado por artistas e pessoas envolvidas que estiveram presentes na passeata.

passeata-contra-guitarra-elétrica Imagem da passeata contra a guitarra elétrica (1967). À direita, é possível ver Elis Regina, Jair Rodrigues, Gilberto Gil e Edu Lobo, grandes nomes da MPB na época. 

Uma noite em 67 ilustra o desenvolvimento do rock no Brasil e a contemporânea queda da MPB enquanto estilo, visto que alguns artistas estavam mais abertos às influências estrangeiras tanto no que dizia respeito ao estilo musical quanto em termos de ideologia e contestação ao status quo. O desenvolvimento musical da década seguinte é minuciosamente descrito no documentário recomendado a seguir.

2. Rock Brasil 70 – Viagem progressiva, de Ana Paula Minari, Bruno Rizzato Rodrigues, Guilherme Machioni, João Figueiredo, Tábata Porti e Thiago Mourato (2013)

rock progressivo brasileiro é um dos estilos menos comentados nas rodas de conversa a respeito de música nacional. Os que o conhecem são poucos; além disso, boa parte das discografias já saíram de catálogo, o que torna mais difícil ainda o contato com artistas do gênero.

Com o objetivo de trazer à luz o que foi o progressivo nacional, suas influências e sua relevância, Rock Brasil 70 mostra entrevistas feitas com os principais nomes do gênero ainda vivos, que expuseram as dificuldades pelas quais passaram na época de gravação de seus discos e na produção dos shows. Essas dificuldades decorriam de dois principais problemas: primeiro, a defasagem técnica no que diz respeito aos aspectos de gravação, produção e mixagem de discos; músicos como Guilherme Arantes comentam o atraso do Brasil na produção de LPs e na elaboração de instrumentos musicais de qualidade, ressaltando que o que era produzido no estrangeiro era muito melhor, contudo mais caro; segundo, vale lembrar que o rock progressivo brasileiro floresceu no decorrer da Ditadura Militar; logo, muitos artistas da época tiveram suas canções submetidas à censura, que as consideravam subversivas.

Influenciados por Genesis, Jethro Tull e Yes, bandas como O Terço, Bacamarte, Recordando o Vale das Maçãs e Violeta de Outono ainda permanecem numa espécie de obscurantismo do rock brasileiro, que tem os anos 1980 considerados por boa parte da  crítica e pelos fãs como seu apogeu e melhor fase. Assim, Rock 70 cumpre bem o objetivo de revelar a nós, os fãs, esse gênero tão bem tocado e pouco abordado no país. E para complementar esta recomendação, sugiro também que acompanhem no Spotify a playlist Brazilian Prog do Som em Pauta. Lá vai ser possível ter contato com alguns dos principais nomes do rock progressivo brasileiro.

3. Palavra (en)cantada, de Helena Solberg (2008)

Calcado na interdisciplinaridade, Palavra (en)cantada aborda música e poesia, bem como a influência desta naquela. Há diversas entrevistas com grandes nomes da música popular brasileira, como Adriana Calcanhoto, Maria Bethânia, Lenine, entre outros, e cada um deles comenta a relação entre letra e música, desvendando segredos linguístico-poéticos imbrincados em suas canções e revelando suas preferências literárias, assim como suas influências nas composições.

No documentário, o limite temporal é inexistente, pois a narrativa vai de Chico Buarque a Ferréz, passando por Arnaldo Antunes e outros nomes expressivos. Nele, o aspecto poético, em alguns momentos, é até mais valorizado que a própria música, mas traz uma perspectiva muito bacana sobre o processo de composição de cada artista, bem como o impacto da poesia sobre cada um deles.

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Para estudantes de Literatura ou simpatizantes do tema, Palavra (en)cantada é um documentário quase imprescindível, visto que revela e aborda o “par perfeito” da poesia desde o período homérico: a música.

Vinil: realmente tão bom como dizem?

Em agosto do ano passado, fiz uma pesquisa via formulários do Google para mapear quais eram as mídias e os formatos preferidos de ouvintes de música. Fui a três diferentes grupos no Facebook a fim de buscar participantes para a pesquisa: o Colecionadores de discos, o Collector’s Room – O grupo e o UERJ Letras/Livre, formado por alunos de graduação em Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Além disso, divulguei o formulário no meu feed pessoal, o que aumentaria as possibilidades de respostas, bem como a variedade de formatos escolhidos. Indiquei os formatos streaming, CD e vinil para que pudessem marcar o de sua preferência e explicar as razões da escolha. Contudo, deixei espaço para que os pesquisados pudessem citar outras formas de ouvir música, o que rendeu porcentagens baixíssimas de usuários. Foram 69 informantes, que ficaram divididos desta forma:

  • 28 preferem ouvir música por streaming (Spotify, Deezer, YouTube, entre outros), representando uma porcentagem de 40,6% do total;
  • 19 preferem ouvir música em CD, representando 27,5% do total;
  • 16 preferem ouvir música em vinil, quantidade que representa 23,2% do total de ouvintes pesquisados;
  • 2 usuários ouvem música a partir de downloads do formato mp3, representando 2,8% do total;
  • 1 ouvinte indicou a opção pelo formato minidisc, representando 1,4% do total;
  • 1 ouvinte indicou a opção smartphone, mas não deixou claro se ouve música a partir de downloads de arquivos em mp3 ou se usa algum serviço de streaming (1,4%);
  • 1 usuário indicou os formatos CD e streaming (“Eu escuto música em CD, e também gosto de fazer coleção do mesmo, mas também escuto muito streaming de música, a praticidade é o ponto forte desse formato”), representando 1,4% do total;
  • 1 usuário indicou o formato arquivos mp3 de 320 kbps extraídos dos CDs de sua coleção (“Praticidade em ter toda a coleção em um HD externo; Possibilidade de escutar em CD quando quiser; Possuir a mídia e a arte; Ajudar o artista.”), representando 1,4% do total de pesquisados;
  • por fim, 1 ouvinte indicou o formato mp3 como o preferido, mas não deixou claro se os arquivos são obtidos a partir de downloads ou se são extraídos de CDs físicos (1,4%).

Apesar de a totalidade da pesquisa ser bastante interessante, vamos nos deter apenas ao terceiro grupo de informantes, isto é, aqueles que têm o vinil como mídia favorita para ouvir música. As razões dadas para a escolha foram diversas, mas muito semelhantes entre si. Veja:

  • “Qualidade superior na reprodução da gravação”;
  • “Qualidade, nostalgia”;
  • “Gosto da sonoridade da prensagem da época”;
  • “A originalidade de como a música é reproduzida para ouvir”.

Há outras explicações, mas estas estão em uma espécie de pacote de razões pelas quais audiófilos e vinilófilos preferem o vinil como suporte. Em grupos de colecionadores de discos, não é raro vermos discussão a respeito dos melhores formatos, os que reproduzem fielmente a música tal como ela foi gravada em sua época. Também não é rara a quantidade de ouvintes que defendem como podem a ideia de que o vinil capta perfeitamente a sonoridade de um artista, tal como ela foi tocada em estúdio.

Não vejo razões que impeçam um ouvinte de preferir o vinil como formato favorito, a não ser, é claro, os preços abusivos que vêm sendo cobrados por LPs em grandes lojas de varejo e – pasmem – em sebos. Ainda assim, fica a critério do comprador adquirir novas prensagens em vinil de 180 gramas, mesmo que isso lhes custe uma nota. O grande incômodo resultante de discussões acaloradas entre colecionadores advém do fato de a suposta qualidade superior do vinil ser quase uma unanimidade entre seus fiéis súditos, mesmo que, para que chegassem a tal conclusão, abrissem mão de pesquisas técnicas feitas com aparelhagem específica capaz de avaliar se um formato tem, de fato, perdas relevantes ou não no momento das prensagens ou, no caso do LP, do corte (passagem dos dados gravados na fita máster para os sulcos do disco de vinil).

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À medida que procuro por opiniões de artistas e profissionais como produtores e engenheiros de som, vejo que essa discussão tem sua razão de ser restrita ao universo dos colecionadores. Veja bem, não quero de forma alguma desprezar os conhecimentos que os fãs de vinil adquiriram ao longo dos anos com pesquisas a respeito do tema, mas não podemos ignorar que há uma série de profissionais que lidam com isso quase 24 horas por dia, 7 dias por semana. Portanto, suas visões sobre o assunto estão calcadas em experiências comprovadas de gravação de álbuns, independentemente das mídias em que foram gravados. Leia, a seguir, um trecho de 30 anos de música, biografia de Rick Bonadio, um dos maiores produtores brasileiros em termos de marketing e caça-talentos:

“(…) o que chamamos de corte é a fabricação do acetato, que será a matriz por onde serão produzidas (prensadas)todas as cópias daquele disco. O responsável corta os sulcos, por onde a agulha passará, para montar a matriz.

Mesmo com todo cuidado do mundo, foi minha primeira decepção, pois você mandava um som e voltava outro. Bem diferente do que você tinha ouvido em estúdio. O vinil nunca representou para mim o som de verdade do estúdio. Por isso nunca dei tanto valor para essa discussão de audiófilos de formato versus formato.”

Essa visão técnica e entristecida é endossada pelo apresentador, produtor e ex-baterista dos Titãs Charles Gavin, em entrevista concedida ao canal do YouTube Vitrola Verde, de seu irmão César Gavin. Em um trecho, Charles comenta a respeito de suas produções e diz o seguinte a respeito da gravação do primeiro disco da banda Detrito Federal:

“(…) em estúdio, a princípio, ele (o disco) ainda tinha um som bom, mas faltava uma etapa, que era o corte do disco. O desleixo foi tanto que a masterização, o som disso aqui, não ficou bom. O som é ruim, frustrou a banda e me frustrou também. (…) Quando o pessoal do Detrito Federal pegou o vinil e foi ouvir, não era aquilo que eles estavam ouvindo em estúdio.

Com essas duas visões, percebemos que a afirmação de que o vinil reproduz fielmente o que foi gravado é bastante questionável. Outro elemento que também põe em xeque a superioridade sonora do vinil é a baixa qualidade do material de que ele costumava ser feito no Brasil, principalmente nos anos 1970. Guilherme Arantes, do Moto Perpétuo, diz o seguinte em entrevista para o documentário Rock Brasil 70 – viagem progressiva:

“Os discos não eram bons porque os estúdios eram ruins e o vinil nacional era só asfalto (…); ele só estalava, não tinha som nenhum.”

No mesmo documentário, Motta, do Recordando o Vale das Maçãs, diz o seguinte, ainda questionando a suposta superioridade do vinil:

“O Recordando ( o Vale das Maçãs) era bom ao vivo. Eu nunca achei que aquele LP representasse tão fielmente o som que a gente fazia.”

Meu grande questionamento é este: será que álbuns gravados em CD e Ogg Vorbis (formato utilizado no Spotify, por exemplo) têm realmente tantas perdas se comparados à sua gravação em vinil? E se elas realmente existirem, afetam tanto a qualidade do áudio ao ponto de que se “percam” elementos relevantes para a produção do disco? Stephen Witt, em seu livro Como a música ficou grátis, traz um debate interessante a respeito dessas “perdas” sonoras.

A ideia fundamental para o desenvolvimento do mp3 nos anos 1980 era o fato cientificamente comprovado de que o ouvido humano não é capaz de ouvir tudo perfeitamente, isto é, há certas frequências que não podem ser alcançadas por nós. Assim, tais frequências passam despercebidas. Se o ouvido humano não consegue captar todos os sons, por que manter músicas com frequências que passam batido por qualquer um, ocupando espaço e tornando arquivos ainda mais pesados? A ideia do mp3 era a compressão de arquivos e a sua transmissão de modo rápido e prático, como menos bytes do que continham os arquivos gravados em CD. Em suma, o grande questionamento feito por hackers e cientistas era este: se o ouvido humano dispensa determinada quantidade de frequência, por que não tirá-las das músicas, tornando assim os arquivos mais leves e fáceis de serem transmitidos? Ao fim e ao cabo, estaríamos ouvindo músicas em mp3 com a mesma qualidade do CD, conclusão a que chegaram os cientistas do Fraunhofer, que eram audiófilos e dispunham de equipamentos de áudio ultraprecisos.

Tá, mas e o vinil? A meu ver, a louvação exacerbada sobre os LPs dizem mais respeito à memória afetiva que eles evocam, bem como em razão do tamanho ampliado das artes das capas. De fato, é maravilhoso, enquanto se escuta um disco, ler de modo nítido informações a respeito dos músicos, do processo de gravação, datas, etc. Não sou um inimigo do vinil, pelo contrário. Gosto bastante de ouvir os poucos que tenho, é de fato uma atividade prazerosa manipulá-lo para trocar os lados. Este, aliás, é outro argumento que considero bem válido para justificar a preferência pelos bolachões; muitos comentam a respeito da forma como “interagem com a música” ao ouvir um disco, mexendo não só com a audição, mas também com tato e olfato (só eu me atento ao cheiro dos discos e das capas?). Por fim, penso que, à luz das opiniões de especialistas no tema, dizer que “o som do vinil é melhor” não passa de juízo de valor, visto que tal premissa pode ter como base uma série de questões que estão para além do som que emerge a partir da leitura dos sulcos. Não é um assunto que se pretende esgotado; é apenas um outro ponto de vista sujeito a (constantes) revisões e debates.

Vou deixar aqui os vídeos nos quais me baseei para formular este texto, bem como a referência dos livros que citei:

WITT, Stephen. Como a música ficou grátis. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015.

BONADIO, Rick. 30 anos de música. São Paulo: Seoman, 2016.

 

Resenha – “The Whippoorwill”, Blackberry Smoke

Chegamos a 2019 com pelo menos uma certeza: aqueles que gostam de música em algum momento vão ouvir que o rock morreu, ou que rock bom era aquele tocado nos anos 1980, ou afirmações semelhantes. Constatações desse tipo são tristes porque de certa forma menosprezam uma série de bons artistas, sejam solo ou em bandas, que surgiram nos anos 2000 representando o gênero mencionado, isto é, o rock em suas variadas vertentes. Um dos nomes mais prolíficos dessa geração, a meu ver, é o Blackberry Smoke, grupo formado em Atlanta – Geórgia no início deste milênio. Com um southern rock característico da região de origem da banda, o Smoke tem nove álbuns em sua discografia, contando bootlegs e EPs. Vamos falar aqui a respeito do terceiro, The whippoorwill, de 2012.

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Não posso deixar de mencionar que, sem dúvidas, The whippoorwill é um dos melhores álbuns de rock produzidos de dez anos para cá que já ouvi. Bem produzido, o disco possibilita uma viagem ao que de melhor já foi feito em termos de southern rock, sem, no entanto, excluir a qualidade artística e a inventividade do Blackberry Smoke em cada uma das 13 faixas. “Six ways to sunday”, a primeira, abre o disco com um riff que remete bem à sonoridade de bandas setentistas como o Lynyrd Skynyrd e The Outlaws, o que é ratificado pelas linhas maravilhosas de piano, que abrilhantam toda a canção, tal como podemos ouvir em “Sweet home alabama”, do Skynyrd. Aliás, um dos elementos que mais marcam em The whippoorwill é justamente o plus dos pianos e órgãos em todas as faixas, algumas das quais eles têm maior destaque em razão dos solos (“Everybody knows she mine” e “Crimson moon”). Brandon Still, o tecladista, capturou bem a ambiência dos saloons texanos (honky-tonk) do imaginário popular, nos quais bebuns cantam e se divertem ao som do piano.

Charlie Starr, vocalista e guitarrista solo, apresenta um timbre de voz marcante, acompanhado por Paul Jackson nas guitarras e nos vocais de apoio. Em todas as músicas do disco as linhas vocais são ótimas, com variações e dobras de vozes, elemento característico do rock sulista norte-americano. Os solos de guitarra de Starr também são muito criativos e muitas vezes fogem do padrão bluesyrock and roll que são marcantes no grupo. Isso é possibilitado, entre outros fatores, pela riqueza harmônica das canções, que não se limitam a acordes maiores com sétima menor com base em escalas pentatônicas, muito usados no blues e no rock setentista.

Vale destacar dois elementos muito criativos em The whippoorwill. O primeiro deles é a presença de um banjo na canção “Leave a scar”, que se inicia com riff bem marcante de rock an roll. Nesse caso, o banjo contribuiu ainda mais para imprimir uma sonoridade country ao som, lembrando muito as canções do grupo curitibano Hillbilly Rawride, o que não necessariamente representa uma influência direta de um sobre outro. Ainda nesta canção, há um jogo muito interessante entre as duas guitarras na ponte que antecede o solo de guitarra, “chamado” por um assobio; neste trecho, enquanto uma das guitarras marca com stacatto os acordes, a outra a acompanha fazendo os mesmos acordes soarem. O segundo elemento que chamou a atenção em todo o disco diz respeito à faixa “Ain’t got the blues”, que certamente agradará aos fãs do som analógico. A música começa como se um toca discos estivesse lendo um LP ligeiramente empoeirado, com aquele famoso chiado que agrada a alguns e é motivo de raiva para outros. A sonoridade vintage é certamente uma novidade em se tratando de bandas atuais, pois, apesar de muitas preferirem suas gravações com aparelhagem analógica, nem todas conseguem imprimir um approach setentista ou oitentistaAlém disso, “Ain’t got the blues” tem uma harmonia bem rica, com ótimos licks de blues, além do uso do slide nos solos de violão.

A dinâmica bluesy é também um elemento muito bem empregado em The whippoorwill; as variações de dinâmica entre as estrofes e o refrão de “Lucky seven” são bem marcantes, a ponto de fazer o ouvinte imaginar que a canção continuará forte depois do refrão. O que ocorre, contudo, é uma mudança brusca de dinâmica, que deixa a canção mais soft nas estrofes, com ótimas linhas de piano blues.

Há duas baladas no disco: “One horse town”, faixa que ganhou uma versão acústica maravilhosa da banda (vídeo abaixo), e “Up the road”, canção que fecha o disco e é conduzida muito bem pelo piano. Pode-se até dizer que The whippoorwill tem um apelo comercial, talvez até um pouco maior que os demais álbuns da discografia, mas em nada perde em qualidade, técnica e composição.

O Blackberry Smoke em nenhum momento esconde suas influências: o southern rock do Lynyrd Skynyrd, o rock and roll texano do ZZ Top em faixas como “Shakin’ hands with the Holy Ghost” e mesmo o hard rock setentista de bandas como Deep Purple são o norteador do grupo, que ainda agrega elementos do blues e do country sem, no entanto, deixar o som datado. É uma excelente porta de entrada ao southern rock e, além de tudo, uma ótima oportunidade de conhecer uma das mais criativas bandas de rock dos anos 2000.

Faixas:

1 – Six ways to sunday

2 – Pretty little lie

3 – Everybody knows she mine

4 – One horse town

5 – Ain’t much left of me

6 – The whippoorwill

7 – Lucky seven

8 – Leave a scar

9 – Crimson moon

10 – Ain’t got the blues

11 – Sleeping dogs

12 – Shakin’ hands with the Holy Ghost

13 – Up the road

 

 

 

“Piano odyssey”, novo disco de Rick Wakeman, será lançado em 14 de outubro

O mago das teclas está de volta! Em 14 de outubro será lançado o novo disco de Rick Wakeman, Piano odyssey. Ontem, 14 de setembro, foi liberada uma single do álbum nas plataformas de streaming; trata-se de “Cyril wolverine”, faixa em que é possível notar belos arranjos orquestrados, elaborados pelo próprio Wakeman, que acompanham o approach clássico tão peculiar de seu piano.

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Disponível no site rrwc.com

Piano odyssey será o primeiro disco de Rick Wakeman lançado pelo selo Sony Classical, surgido em 1990 divulgando uma série de artistas contemporâneos e clássicos de música erudita. O ex-tecladista do Yes agregará à sua rica discografia mais uma obra que promete ser maravilhosa e abrangerá canções do Queen, de David Bowie e de Franz Liszt, tudo em um só álbum, cada qual com seus devidos rearranjos. Outras informações mais pontuais podem ser encontradas no site do músico. Não perca a data: 14 de outubro. Ouça um trecho de “Cyril wolverine”:


Tracklist:

  1. While My Guitar Gently Weeps
  2. Liebesträume / After The Ball
  3. And You & I
  4. Rocky (The Legacy)
  5. The Boxer
  6. The Wild Eyed Boy From Freecloud
  7. Strawberry Fields Forever
  8. Roundabout
  9. Cyril Wolverine
  10. Jane Seymour
  11. Largos
  12. Bohemian Rhapsody

 

Blue Note Rio terá tributo à Motown

O Blue Note Rio receberá, na noite de 2 de novembro, o Motown Classics Tributo, com a banda carioca Go Black. O tributo abrangerá a fase clássica da Tamla-Motown, gravadora criada por Barry Gordy no fim dos anos 1950, que foi casa de artistas como Marvin Gaye, Diana Ross, The Marvelettes, Jackson 5 e Stevie Wonder, apenas para mencionar alguns nomes. A Motown foi fundamental para a consolidação da black music nos anos 1960 e de suas vertentes, como o soul e o R&B, nos anos subsequentes.

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Disponível no perfil do Blue Note Rio no Facebook

Receptor de shows de artistas nacionais, como Ed Motta, e internacionais, como Chick Corea e sua Elektric Band, o Blue Note é o clube de jazz de maior renome no estado do Rio, buscando resgatar o ambiente boêmio dos clubes de jazz norte-americanos, principalmente de New Orleans, cidade considerada o berço do gênero. O nome da casa é uma homenagem ao maior selo musical de jazz, a Blue Note, responsável pelo lançamento do primeiro disco solo de Herbie Hancock, Takin’ off, entre outros.

O tributo à Motown será dia 2 de novembro, às 22:30 horas, e os ingressos estão à venda no site do Blue Note Rio.

Orquestra Johann Sebastian Rio toca Amy Winehouse, em 31 de outubro

A união do erudito com outros diversos estilos parece não ter fim; e ainda bem. Depois da confirmação de que a Orquestra Sinfônica Petrobras tocará na íntegra o clássico The Dark side of the moon, do Pink Floyd, e hinos do cancioneiro popular nordestino, com participação de Lucy Alves, agora é a vez de a Orquestra Johann Sebastian Rio apresentar, no Teatro Riachuelo, o espetáculo Orquestra Johann Sebastian Rio toca Amy, em 31 de outubro.

O musical terá como repertório canções do ícone pop e soul Amy Winehouse, que faleceu em 2011, aos 27 anos. Será uma espécie de tributo à cantora, prestado por 20 instrumentistas. De acordo com a página do Teatro Riachuelo, serão tocadas canções como “Rehab”, “Back to black” e “Valerie”, com arranjos de Marcelo Caldi, Jessé Sadoc, Ivan Zandonade e Alexandre Caldi. Ao que tudo indica, um setlist que agradará fãs e não fãs de Amy Winehouse.

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Disponível no site do Teatro Riachuelo Rio

A Orquestra Johann Sebastian Rio se tornou popular em 2014, quando se lançou nas redes com um videoclipe em que tocavam Vivaldi, e desde então passaram a se apresentar em casas conhecidas no Rio de Janeiro, como o Theatro Municipal. O espetáculo Orquestra Johann Sebastian Rio toca Amy tem direção artística de Felipe Prazeres, e os músicos são oriundos de variadas orquestras do Rio de Janeiro.

O valor dos ingressos varia entre R$ 25,00 E R$ 100,00, e eles podem ser adquiridos no site Ingresso Rápido (sujeito à taxa de conveniência), na loja Riachuelo Ipanema (Rua Visconde de Pirajá, 321) e no local do espetáculo; nos dois últimos locais, a compra dos ingressos não requer taxa de conveniência.  O espetáculo terá início às 20 horas do dia 31 de outubro, e a classificação é livre. O Teatro Riachuelo fica na Rua do Passeio, 40 – Cinelândia. Para maiores informações, acesse o site  do Teatro Riachuelo Rio.